a-maneira-diferente-de-ser-de-jesus

Celebramos um dia grande – um dos mais expressivos quadros da nossa vida cristã.

Saboreemos a festa do Sagrado Coração de Jesus.

Na origem desta festa – instituída universalmente há pouco mais de um século e meio – reside uma vontade de reacção ao quantitativo, ao exagero racional, ao ideológico impessoal. A contemporaneidade vai desvelando aqui e ali a insuficiência da resposta humana, em termos quantitativos, ao que ao homem se refere; as percentagens, as ratios, os ratings, as agências de notação, os gráficos, as estatísticas, os orçamentos, a especulação… o nosso empenho numa resposta meramente quantitativa emudece de impotência diante dos verdadeiros problemas que afectam o humano do homem, das gritantes e galopantes desigualdades sociais, cala-se diante de cada morte solitária descoberta anos mais tarde na porta ao lado, cala-se diante do pobre que não pode ter uma casa porque os senhores-da-especulação não se decidem quanto ao preço do dinheiro nem quanto ao lucro que querem tirar de cada pedra.

Sagrado quer dizer de outra ordem, diferentemente outro… Sagrada é a maneira de ser de Jesus de Nazaré, diferente. Sem colocar de parte a nossa habilidade quantitativa, potencia-a com a sua diferença qualitativa; oferece-nos uma alternativa exagerada para lá do pacto, para lá da norma, para lá do razoável, para lá do limite… a resposta de Jesus apresenta-se-nos como símbolo da capacidade que Deus nos oferece, que nos torna instrumentos do amor entre irmãos, construtores de verdadeira família humana não como predadores, antes, como cuidadores.

O Coração é símbolo da totalidade integral. Diz o nosso corpo, a nossa sensibilidade; diz a nossa alma, o que pensamos e discursamos; diz o nosso espírito, o nosso ânimo, o que escolhemos, diz o que construímos e o que queremos construir. Diz a nossa palavra e o nosso silêncio, revela o que verdadeiramente somos. Ao celebrarmos hoje “a-maneira-diferente-de-ser-de-Jesus” – o Sagrado Coração de Jesus – queremos celebrar o convite de Jesus à diferença, queremos celebrar a diferença de Jesus que se fez nossa semelhança, queremos celebrar a alegria de nos cuidarmos como semelhantes porque desafiados a cada passo a sermos diferentes, a sermos sagrados para amar.

“a-maneira-diferente-de-ser-de-Jesus”. Essa maneira seduz-nos, e desafia-nos a arregaçar as mangas, a sair da comodidade das nossas certezas, a marcar ritmos de vida semelhantes aos ritmos do coração de Jesus, junto dos últimos. João quando descreve Jesus na cruz, recorda-nos que o sangue que transborda da vida de Jesus é ânimo, é espírito, é capacidade de sermos construtores que aprendem na humildade, na mansidão e na leveza a diferença de Jesus, que aprendem a ver, a meditar e a agir à maneira diferente de Jesus. Somos desafiados a converter o nosso olhar e a ver e saborear – de modo apaixonado como Jesus – o que no mundo já existe de divino, essa semente e promessa de unidade; desafiados a encontrar no diverso e diferente tudo o que nos pode unir. E o que verdadeiramente nos une, o que verdadeiramente cria laços, é a linguagem do coração, o excesso de amor, a desmesura dos gestos, o exagero de querer dar a vida toda em cada gesto de bondade.

Somos desafiados a recriar gestos a partir dos gestos simbólicos e performativos de Jesus. Lembremos o eloquente gesto da fração do pão. Seja esse pão repartido sinal da vida de Jesus presente em cada gesto de vida repartida, em cada olhar novo sobre o meu semelhante.