nem cinza é fim

Ninguém se alegra com pó – fora de consideração estão “pós” que a legalidade desconhece. Quanta discussão familiar à volta do pó… até pagamos para nos tirarem o pó de casa. Tão leve e tão nada, e tão central na economia de cada um, no que consome de tempo e dinheiro. Como é que tão pouco mexe com tanto?…

Seria pouco repetir anualmente um gesto que aproxima a condição humana do pó. Não precisaríamos de uma humilhação anual se no centro não estivesse algo precioso. É-nos segredado nestes dias: és pó amado, lembra-te! És pó amado, acredita! Da mesma forma que a nossa vida mudou ao ouvir “amo-te”, naquela vez, também todos os anos queremos lembrar o que só o amor é capaz de fazer: transformar.

A cinza como símbolo de preparação da páscoa, parece-me bem sugestivo. Recebemos pó de cinza dias antes de nos pasmarmos mais uma vez com a vida em forma de rebento. Lembramos juntos que nem a cinza é fim. Nada na nossa fragilidade está verdadeiramente destruído que não possa ser levantado. E só o amor é capaz de erguer; só o saber-se e sentir-se amado consegue levantar.

Os que imitam o nazareno Jesus são “erguedores”, e nesse exercício de fragilidade oferecida experimentam a cada passo que nem a cinza é o fim, espantam-se com o que o amor é capaz de fazer até com pó.